andei por um ano e dois meses sem sair do lugar.
foi um momento desolador da jornada.
acelerava o passo. corria. parava. voltava um pedaço. saía da trilha. nada parecia funcionar.
atrás de mim estava o portão de madeira, deteriorado pelo tempo, pelo qual entrei. por mais que andasse, não conseguia me distanciar dele. à minha direita, uma floresta de árvores altas e folhas escuras desenhavam uma sombra desconfortável. à esquerda, jazia a carcaça de um velho tronco jogado ao chão, servindo de base para um tapete de musgo. à frente, uma ponte condenada cortava um riacho quase seco.
não importava em que direção avançasse, eu nunca alcançava o meu destino. por mais que ele estivesse ao alcance dos olhos. mesmo exigindo o máximo desempenho de minhas pernas, permanecia estacionado.
a esperança esmorecia a cada passo.
em meados do infrutífero percurso, lá pelo sexto mês, uma suindara sobrevoou a paisagem eterna e pousou em minha cabeça. ali ficou durante todo o resto do período, apenas observando minhas inúteis manobras para escapar do trajeto imoto.
ao final do segundo mês após o aniversário de um ano da desolação, a suindara falou.
"você não sai do lugar porque você não caminha sobre o chão", disse a ave de face pálida e olhos negros. "se isso que piso não é o chão, o que seria?", retruquei exausto até mesmo para me surpreender com a quebra do silêncio. a emplumada criatura explicou, do alto de minha cabeça, que eu estava andando sobre um pequeno broto de planeta. ele não germinou e jamais tomaria seu lugar no universo. o cadáver de uma semente esférica que deslizava sobre o seu próprio eixo, sem atrito, girando de acordo com os passos que eu dava.
súbito: realizei que não andava. apenas fazia uma bola de barro girar sob os meus pés.
"lá do alto, onde eu voava, percebi isso. pois o que é voar senão ganhar perspectiva?", concluiu a, até então, calada companhia. "se você sabia disso, por que não disse antes?", indaguei cansado demais para ficar furioso. a suindara disse não haver entendido que eu estava em apuros. pensou que se tratava de um espetáculo circense e parou para admirar o minha aparente performance artística.
"bem, eu não sou malabarista. sou andarilho. preciso voltar a andar", desabafei. "você não conseguirá chegar à ponte, ou mesmo voltar ao portão. pelo menos não com pernas", sentenciou a ave. "então voe e me carregue junto com você. é o mínimo que pode fazer depois de tantos meses de entretenimento involuntário oferecido por mim", rebati.
"sou apenas uma coruja. como poderia carregá-lo comigo no céu?", questionou.
"você fala. e corujas não falam. se pode travar este debate comigo, então poderá qualquer coisa. acredite e conseguirá", respondi.
ela acreditou. e voou comigo para longe daquela armadilha giratória, onde pude, finalmente, voltar para o meu caminho. agradeci a ajuda. a suindara agradeceu o pocket show.
sentei no chão por um momento, para recuperar o fôlego. e depois segui, efetivamente, andando.
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