sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

o milagre do poço

andava eu, como sempre. desde sempre.

o caminho era agradável. o cenário oferecia uma certa porção de natureza com cores vibrantes. ocasionalmente pássaros desenhavam o céu com canções suaves.

eu sorri.

logo à frente, no trajeto, havia um poço interditando a passagem. um senhor bastante idoso repousava serenamente num banco ao lado. parecia vigiar o acesso.

"o que você espera?", perguntei ao me aproximar do sujeito que olhava para mim de forma curiosa. "espero chover para encher o poço. deixei o balde cair por acidente e, sem a corda, só um transbordamento poderá trazê-lo de volta", ele demorou a responder. "que pena, eu não levo corda comigo. do contrário, eu o ajudaria", respondi. ele, então, resolveu se levantar. o fez de forma lenta e cautelosa, não abusando de sua já avançada idade. "não se preocupe, o balde virá na sua hora. você pode seguir com a sua jornada, mas não sem antes olhar para dentro do poço", determinou o ancião.

"por quê?". a pergunta veio de mim com muita naturalidade.

"o poço é um pedágio", disse o velho. "assim como a corda, não levo ouro comigo", salientei. "não é pedágio que exige dobrões", ele prontamente corrigiu. então explicou que o tributo, na verdade, era passar pelo milagre do poço. ao mirar dentro dele, bem no fundo, eu vislumbraria a história de minha encarnação passada. o preço seria esquecer tudo o que foi visto, mas permanecer com o sentimento decorrente da experiência oracular.

então o fiz. visto que era um pedágio. e eu precisava seguir em frente.

sei que vi algo. mas jamais saberei o quê. como prometido, a lembrança se foi no segundo após desviar o olhar do interior do poço. mas ficou uma ansiedade galopante que ameaçava expulsar meu coração pela boca.

deixei de sorrir.

o velho acenou de forma condescendente, como quem agradece pelo gesto. e voltou a se sentar com a mesma dificuldade que se levantou. resolvi seguir em frente. os primeiros passos para além do poço foram hesitantes. não tinha corda, nem ouro. mas agora carregava na bagagem um medo irracional. de não saber exatamente o que está acontecendo e do que poderá vir a acontecer.

naquele dia me tornei um refém da expectativa. e até agora ninguém apareceu para pagar o resgate.

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