domingo, 22 de março de 2015

o visitante celestino

rumava pela madrugada. o trecho era ermo e não oferecia nada além das estrelas no céu e a lua cheia desenhando o esboço do caminho e a silhueta do horizonte. o silêncio só era quebrado pelo som de meus passos.

um momento que tangenciava a sublimidade.

de repente, algumas estrelas inquietas denunciaram um movimento errático, num balé caleidoscópico de cores que se aproximava de mim. não estava mais só.

um visitante celestino surgiu deste portal luminoso. ele formalmente se apresentou, dizendo vir de um mundo distante. as palavras não eram articuladas, pois ele não possuía lábios. o entendimento se fazia telepático, contribuindo para a quietude do instante. então ele revelou suas intenções: "sou o batedor oficial de minha armada. e vim em busca de informações que possam dar vantagem ao meu exército a fim de render o seu povo. diga-me, nativo, o que é necessário para subjugá-los neste planeta?"

ponderei antes de responder.

"torne-se imprescindível", lancei meu pensamento ao visitante, "mas não precisa realmente ser, basta fazer acreditar que seja. pois quem parece ser, acaba, por fim, se tornando. e quem se faz imprescindível recebe o aval da civilização para agir cruelmente sem resistência. dessa forma, você tomará este mundo em suas mãos. com crueldade consentida."

o visitante celestino agradeceu a resposta. contudo, a troca de pensamentos o fez perceber que eu era um andarilho. e que, portanto, buscava um destino ainda não alcançado. "onde quer chegar?", perguntou o forasteiro espacial. "não sei", respondi, "quando o destino chegar, saberei". ele resolveu mostrar alguma gentileza: "possuo um eficiente  meio de transporte e posso, ao menos, abreviar este trecho monótono, para compensar seu esclarecimento à minha questão".

agradeci, mas expliquei que não poderia tomar atalhos. a monotonia era uma etapa importante da jornada. e ignorá-la acarretaria em prejuízo para o que eu vinha buscando.

senti uma sensação de derrota emanando do visitante celestino.

"avisarei ao meu exército para recuarmos. não consegui me tornar imprescindível para você em sua jornada. não tenho a capacidade de elaborar a vantagem necessária para subjugar você e seu povo. parabéns pela sua grandeza". assim se despediu o estrangeiro sideral.

ele sumiu no astigmatismo luminoso que o trouxe. e as cores bruxuleantes foram se desvanecendo até sobrar, novamente, as estrelas e o silêncio.

e o momento voltou a ficar próximo do sublime.

tornei a escutar os meus passos.